Pessoas que me amam

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O teu corpo

“Por que sou tão infeliz? Porque sou o que não devo ser. Porque metade de mim não está irmanada com a outra metade, a conquista de uma é a derrota da outra, e havendo derrota há sofrimento - o meu sofrimento em qualquer dos casos. Metade de mim é nobre e grandiosa, e metade de mim é pequena e vil. Ambas são eu. Quando a parte de mim que é grandiosa triunfa, sofro porque a outra metade - que também é verdadeiramente eu próprio, que não consegui alienar de mim - dói por isso. Quando a parte inferior de mim triunfa, a parte nobre sofre e chora. Lágrimas ignóbeis ou lágrimas nobres - tudo são lágrimas.” (Frei Maurice, heterónimo)
A arte é a forma mais elevada e subtil de sensualidade. As relações entre o artista e o seu público são análogas às do homem e da mulher na cópula. A criação artística é uma prova de posse, de força; a contemplação artística um prazer de passividade. Por isso o esteta agudo é em geral invertido sexualmente. Sobretudo é o esteta que cria, porque esse criar implica uma exasperação do senso estético, ao ponto de transbordar para o ser.
(...) Tenho trinta e oito anos e sinto-me mais novo cada ano, porque todos os anos estou mais próximo de nunca ter realizado coisa alguma na vida. A realização envelhece-nos. Tudo tem o seu preço: o preço da realização é a perda da juventude. Só a falta de objectivos e um modo de vida inconsequente - se a palavra «modo» pode ser aplicada a uma tal ausência de rumo - nos mantêm jovens. Não me casei e por isso mantive-me livre tantos dos prazeres especiais como dos cuidados próprios dessa espécie de parceria; e o bem e o mal desse estado são igualmente envelhecedores. Nunca assentei numa profissão ou num rumo de vida, nem sequer numa opinião que durasse mais que o minuto passageiro em que foi defendida. Nunca tive uma ambição que um belo dia (e Lisboa tem sobretudo dias belos, em todas as estações) ou um vento leve não dissipassem e reduzissem a um sonho agradável e acidental. Nunca fiz um esforço real atrás de coisa alguma, nem apliquei fortemente a minha atenção excepto a coisas fúteis, desnecessárias e ficcionais (...)
Não sei quem sou, que alma tenho. Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade sou. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe. Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me aponta traições de alma e um carácter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho. Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única central realidade que não está em nenhum e está em todos. Como o panteísta se sente onda e astro e flor, eu sinto-me vários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada, individuado por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço. (Publicado em Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, agora com emendas)
(...) «Assim é a vida, mas eu não concordo.» Foi esta a frase e eu só queria, ao relembrá-la, a glória de a poder ter inventado. Os blasfemadores todos ficaram pobres por essa frase ter sido dita. Ela é a expressão clássica e pura daquilo que eles são os românticos e os contorcionistas. Acordei com uma violência enorme, e registei a lápis súbito, logo, a frase dita, para que não me esquecesse pela sua mesma simplicidade. «Assim é a vida, mas eu não concordo.» É a história inteira da humanidade nas suas relações com a Natureza. Toda a arte, toda a religião, tudo quanto nos distingue do outro(...) vive a sua expressão exacta nessa frase casual e alheia de um homem que não sei quem é, nem sabe de si mesmo mais que eu sei dele (...)
Agi sempre para dentro... Nunca toquei na vida... Sempre que esboçava um gesto, acabava-o em sonho (...) No grande corredor sombrio que há ao fundo do palácio passeei com minha noiva... (...) Eu nunca tive noiva real... Nunca soube como se amava... Apenas soube como se sonhava amar... Se eu gostava de usar anéis de dama nos meus dedos é que às vezes queria julgar que as minhas mãos [eram] de princesa e que eu era, pelo menos no gesto das minhas mãos, aquela que eu amava... (...)A minha sensibilidade e os movimentos que dela procedem, e é nisso que consistem o temperamento e a sua expressão, são de mulher. As minhas faculdades de relação - a inteligência, e a vontade, que é a inteligência do impulso - são de homem (...) Somos vários desta espécie pela história abaixo - pela história artística sobretudo."

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Àgora

Século IV. No Egipto, sob o poder do Império Romano, violentos confrontos sociais e religiosos invadem as ruas de Alexandria… Presa entre paredes, sem poder sair da lendária livraria da cidade, a brilhante astrónoma, Hypatia, com a ajuda dos seus discípulos, faz tudo para salvar os documentos da sabedoria do Antigo Mundo… Entre os discípulos, encontram-se dois homens que disputam o seu coração: o inteligente e privilegiado Orestes e o jovem Davus, escravo de Hypatia, dividido entre o amor secreto que nutre por ela e a liberdade que poderá ter ao juntar-se à imparável vaga de Cristãos.



Quantas vezes, Amor, me tens ferido?



Quantas vezes, Amor, me tens ferido?
Quantas vezes, Razão, me tens curado?
Quão fácil de um estado a outro estado
O mortal sem querer é conduzido!

Tal, que em grau venerando, alto e luzido,
Como que até regia a mão do fado,
Onde o Sol, bem de todos, lhe é vedado,
Depois com ferros vis se vê cingido:

Para que o nosso orgulho as asas corte,
Que variedade inclui esta medida,
Este intervalo da existência à morte!

Travam-se gosto, e dor; sossego e lida;
É lei da natureza, é lei da sorte,
Que seja o mal e o bem matiz da vida.Bocage


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